Do Culto ao Coma: diversidade musical e arranjos primorosos em novo álbum, “Imago”


O que a grande maioria das bandas que se dedicam à produção de rock autoral objetivam com suas produções inegavelmente é atingir uma sonoridade que possa chamar de sua. Essa busca por uma marca própria dentro de vários segmentos já extensamente explorados há décadas pode fazer com que uma banda produza uma mistura estética e sonora que nem sempre poderá gerar canções imensamente criativas e consumíveis. Felizmente não é o que ocorreu com o Do Culto ao Coma, banda de Atibaia/SP.  Na ativa desde 2014, o grupo lançou recentemente (em mídia física agora também) seu segundo álbum, “Imago” (o primeiro, “Destinorama”, é de 2015. Praticando com muita perspicácia uma sonoridade que viaja entre o rock progressivo, heavy metal, MPB e psicodelia, a banda conseguiu deixar o ouvinte com a certeza de que seu trabalho tem bastante características próprias, sem perder a homogeneidade. Hoje o time é composto por Leandro TG Mendes (guitarra), Guilherme Costa (baixo e teclado), Leonardo Nascimento (bateria e teclado) e Thiago Holzmann (voz e teclado).

“Imago” soa interessante do início ao fim. Não se pode afirmar que a banda pratica um prog rock raiz, ou um prog metal moderno, mas sim provém uma aventura sonora que navega pelos 2 mares. Excepcional bom gosto nos arranjos faz com que percebamos que a banda dispensou muita dedicação e capricho no processo de composição.

A “Euforia entre Nós”, começa orquestral e se atira ao instrumental prog metal, com incursões vocais lembrando alguma melodia coloquial dos 1960. E se alterna entre momentos suaves e densos.

“Antes que o Tédio me Vença” tem um groove mais latente, com o baixo capitaneando o barco. Entre licks e fraseados pesados de guitarra, o rumo lírico transparece experiências bem pessoais na mensagem oferecida.

“Isocrônico” efeitos de guita numa intro melódica e viajante. Auras floydianas são berço para vocalizações emocionais (com dobras), que desemboca num final pesado e rápido. Soleira de metal tradicional comendo solto.

“Eterno Retorno”, com seus 10 minutos, já abre mordendo com riffs prog metal. Algumas incursões suaves que beiram uma sonoridade MPB (leia-se Lô Borges/Guarabira), à base de cordas de violão e um solo de guita suave e cheio de efeitos. E se conclui densa (com o clímax dos elementos) sem ser exatamente pesada.

 “Imagogia” a dupla teclado/voz introduz uma cadência com modernos e quebrados efeitos. Várias regiões vocais dão o tem dramático e a partir de sua metade, baixo e batera vão de encontro aos andamentos tradicionais do prog metal.

Divergindo do clima das anteriores de suavidade/complexidade, “Tempos de Dor” é comandada por um metal mais direto, ainda que a voz utiliza com sabedoria os tons altos no momento certo. Acaba com a bateria fortemente atuante e linhas de guitarra convivendo juntas.

“Desrazão” traz um acento mais pop à obra, com um trabalho de baixo colado no fusion. Lá pela metade, fica mais densa, com baixo gritando mais grave. A variação prog finaliza a faixa.

Baixão pesado e guitars melódicas e seus licks são as tônicas de “O Afeto de Schrödinger”, que abusa dos andamentos quebrados.

“O Céu Sombrio de Ontem”, além deu seu poético título, abre com bateria em marcha, e um trabalho de dedilhadas que acompanha a faixa até o fim.

E o disco fecha com a instrumental e incisiva “Apesar de Calado”, numa celebração inicial às clássicas bandas de rock progressivo. E também flerta com o novo. Uma viagem às várias épocas do estilo. Boas doses de peso, viradas competentes de batera (rápida em vários momentos) e riffs/licks de guitarra que deixariam Petrucci orgulhoso.

 

Para quem reclama que o rock está saturado e não oferece mais novidades, Do Culto ao Coma é uma excelente opção para mudar esse sentimento. Musicalidade agradável, que abriga simultaneamente uma identificável e competente complexidade nos arranjos e um sentimento sonoro de acessibilidade. Competente e atrevido, o Culto tem tudo para se elevar em degraus mais altos no hall das grandes bandas nacionais. Trabalho e a criatividade são suas principais armas para isso.

 

O Ready to Rock bateu um papo com o guitarrista Leandro Mendes, que dá mais detalhes sobre as músicas de “Imago”, além do atual panorama da carreira da banda.

 

Ready to Rock - A música da Do Culto ao Coma parece ter uma cara única, dentro da cena rock do Brasil. Misto de progressivo, MPB e metal. Como foi desenvolver seu estilo próprio?

Leandro Mendes - Poxa, obrigado! Isso pra gente é um baita elogio! Mas na verdade a gente nunca pensou nisso! Isso nunca se tornou uma estratégia! Mas talvez, pelo fato da gente ter um processo de composição muito democrático, muito conversado e que cede bastante, acho que a gente acaba deixando a mistura vir de maneira natural. É importante reconhecer que a mistura pode ficar boa com a cabeça aberta!

 


RR - “IMAGO” tem uma variação musical admirável. Como foi o processo de composição?

LM - Bom, o IMAGO foi uma jornada e tanto! A gente mudou tanto no processo dele que até mesmo nós nos surpreendemos. Primeiro porque o processo foi longo e as ideias foram mudando. Segundo porque trocamos de vocalista no meio do processo e isso impactou diretamente na maneira que a banda soava. E terceiro, arrisco dizer, a gente já estava certo de se aproximar em texturas mais modernas, mas também revisitar grandes soluções do passado.

 

RR - O álbum traz caminhos diversos, muito elementos prog em “Imagogia” e “A Euforia entre Nós”. Outros mais diretos como “Tempos de Dor”. Mas todas sempre flertam como intervenções de groove e suavidade vocal. Como se dá a inspiração nos arranjos?

LM - Acho que as respostas das duas questões anteriores arquitetam esta aqui também. O Thiago tem um talento único para criar melodias suaves e palatáveis, mesmo quando o instrumental tá fritando! E o Léo é o rei do groove! Então, como citado acima, a gente vai adicionando inspirações individuais e vai deixando a música se compor!

RR - O fato de 3 / 4 da banda atuar também no teclado, torna-se um diferencial para elaboração das composições?

LM - Sim, sem dúvida! Além das composições, sentimos a necessidade disso ao tocar ao vivo, pois no estúdio dá pra criar à vontade “N” camadas sem se preocupar, mas ao reproduzir as músicas num show, sempre pensamos nisso. Então, quando é possível, sempre tem um integrante pronto para assumir as teclas e cumprir esse papel!

 

RR - “O Céu Sombrio de Ontem” usa e abusa de uma beleza poética e um trabalho intenso de cordas. É a faixa mais diferente do álbum. Como se deu sua criação?

LM - Curioso que essa música surgiu de um convite ao Celso Costa, que é pai do Gui e do Léo. Sempre quisemos ter um feat. com ele que integrasse o uso de violão. Após o convite, o Celso trouxe as ideias das melodias principais e trabalhamos em volta disso, até que o Thiago e o Leandro conseguiram pensar nessa letra sobre o peso das nossas decisões contrapondo passado e futuro. Inclusive, acabamos de lançar o clipe dessa música!

 


RR - Em “O Afeto de Schrödinger” qual a ligação da mensagem da música com o conceito do “gato de Schrödinger” (famoso físico)?

LM - Hahaha! Que bom ter essa pergunta! A gente fez uma analogia completamente inconsequente usando a teoria quântica das duas situações do gato com a contradição de nossas emoções, que nunca são binárias. Ao mesmo tempo que temos um gato que “ao mesmo tempo está vivo E morto”, temos aquele sentimento de “ao mesmo tempo te amo E te odeio”. Conhece?

RR - É uma bela analogia (risos). Sobre o fato das letras da banda serem em português, você acredita que possa atingir um público maior, além dos consumidores da cena rock/metal?

LM - Sim, acreditamos. Cantar em português pode criar uma ligação mais direta com o público, apesar disso obviamente não ser uma regra. Mas sobretudo porque a gente gosta do idioma e achamos que combina com o que fazemos.

 

RR - Ainda com base na questão anterior, há a intenção e planos para lançamento de “Imago” no exterior? Se sim, acredita que as letras em português podem se prejudicar?

LM - Até o momento, não temos intenção de lançar no exterior (por sermos independentes e sem selo/gravadora) e o custo seria muito alto. Mas quem sabe mais pra frente se surgisse alguma parceria… Como a gente assumiu o Português mesmo, não faríamos a versão em inglês das músicas, lançaríamos no nosso idioma mesmo e eles que lutem para entender ahhaha.

RR - Como você vê a cena do rock progressivo no Brasil hoje em dia (do prog-metal e prog-rock)?

LM - Acho que antes de mais nada, na nossa concepção, o progressivo tem a ver com liberdade musical. Ele cria tendências para ele mesmo. Então vai pra cantos muito interessantes, desde as misturas de texturas que criam uma sonoridade interessante até quando a abordagem é aquela música que beira o exímio técnico. Com isso, dá pra dizer que há muitas bandas que representam ou que beiram com essa ideia, o que a gente pensa que essa “cena” está muito bem representada.

 

RR - Como tem sido a receptividade de “IMAGO”?

LM - Puxa, tem sido muito bom! A gente recebeu muitas críticas positivas dele, a maioria falando exatamente das misturas interessantes de textura. Estamos muito felizes com o resultado até o momento. E muito orgulhosos!

 

RR - Como o Culto lidou com os dois anos de paradeira por conta da pandemia do COVID-19?

LM - Foi horrível pro mundo todo né. Pra nós aqui a pandemia chegou de vez no meio das gravações de guitarra. Eu (Leandro) estava com todas as linhas de guitarra afiadas na minha cabeça, e com a parada tive muito medo de perder a pegada. Quando terminamos o disco, fizemos uma festa virtual de lançamento, onde todos puderam ouvir. Foi legal, mas faltou a presença! E acho que como a maioria das bandas, a gente se encheu de atividade online para manter a vibração do lançamento do disco e sua divulgação, que no primeiro momento foi toda em canais de streaming. Ainda assim, acho que passamos com relativa tranquilidade, perto de outras histórias que ouvimos por aí. E esperamos nunca mais passar por isso.

 


RR - Agora que os shows estão retornando, quais os planos da banda?

LM - Parar! :D ahahahaha espera, deixa eu explicar melhor: Quando voltaram os shows, houve muita histeria pra assistir e marcar show e com a gente não foi diferente! A gente tava doido pra tocar! E fizemos alguns shows maravilhosos, com bandas parceiras e tudo foi muito bom num primeiro momento! Mas nesse tempo, tivemos uma proposta muito interessante de um colega, para produzir 03 singles num projeto coletivo que ele está montando. Sem muitos detalhes por hora, mas acho que vai ser algo massa! Então tivemos que dar uma paradinha no circuito de shows para focar em composição de novo! Mas em breve estaremos de volta, e talvez, com mais músicas!

 

RR - Fique à vontade para deixar quaisquer outras informações aos leitores.

LM - Bom, aproveitar primeiro para agradecer a você por ter esse papo com a gente, é sempre bom poder falar do nosso trabalho de uma forma mais descontraída. Em segundo, agradecer demais aos nossos fãs e seguidores, que conseguiram ir nos assistir nesses shows desse ano, foi demais poder estar nos palcos e reproduzir o IMAGO ao vivo! Em terceiro, se você ainda não conhece a gente ou não segue a gente nas redes sociais, poxa, já tá na hora, né?

 

Valeu, Júlio! Grande abraço!

 

 

Contatos com o Culto

 

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