Rua Babilônia: rock direto e competente, pra divertir e refletir
A mensagem da música rock navega por diversos oceanos líricos. Protestos, fantasia, lisergia, romantismo, existencialismo. Mas, pra muitos, o rock foi forjado sob o signo da diversão. E é por nessa aura que se situa a música praticada pela banda Rua Babilônia, de Catanduva/SP.
Formada em 2018, a banda tem hoje em suas fileiras André Mendes (bateria), Rogério Terron (guitarra e backing vocal), Zé Dotto (contrabaixo e backing vocal) e Zé Valadares (vocal), e já lançou alguns temas autorais.
A música é direta e eficiente, com fortes refrãos, a maioria delas tendo o humor como tela pra mensagens tradicionalmente praticadas por músicos e fãs do estilo: encontros, som alto, festa, cerveja, dentre outros elementos prazerosos que esta tendência musical oferece.
Mescla de bom humor e críticas abertas às mazelas religiosas, sociais e políticas, tudo isso dentro de um pacote rock and roll/hard/punk direto, pra tomar uma(s) e agitar em show.
“Alienígena” - Riffão deliciosamente distorcidasso, baixão na cara, mescla de AC e Motorhead. Aberta festa rock and roll. Versa sobre a noite e acidez a alguns padrões sociais.
“Velho Johnny” – rifão pesado, e andamento mais acelerado, abraça o hardcore com gosto, pra falar do velho Johnny, punk aposentado. Com direito a backings.
“Rock, Cerveja e Nostalgia” – o título já entrega sobre o que se deseja para todo consumidor do estilo......A letra cita algumas bandas seminais (de Mutantes a Garotos Podres), obviamente influência da turma. A sonoridade lembra os antigos tempos do Inocentes. Parece ser o hino da banda, autoreferência. No final, vozes e bateria isoladas, pra terminar com a porrada inicial.
“Céu e Inferno” já abraça um pouco o hard-rock denso. Solos bem rock clássico. Versa sobre as escolhas sempre de um extremo ou do outro.
“Cerveja pra Todo Lado” – rapidez HC, com distorção metal, as vozes aqui soam mais calmos, pra falar mais uma vez de amigos, rock, cerva e churrasco. E tem coisa melhor?
O Ready conversou com a banda, que nos conta mais sobre sua trajetória e suas músicas.
Ready to Rock – Por que a banda foi batizada de Rua Babilônia?
Zé Valadares: A pergunta que não quer calar...
Rogério Terron: Rua Babilônia foi uma espécie de atração turística noturna de nossa cidade, Catanduva, a rua que comercializava o amor, uma espécie de Rua Augusta caipira, se é que você me entende (parafraseando Luiz Thunderbird... risos).
RR – Os cinco singles disponíveis nas redes foram gravados em épocas diferentes? Onde foram captados e masterizados?
Rogério Terron: Temos diversas gravações com sonoridades e qualidades diferentes. Nosso primeiro single gravado de forma profissional, “Céu ou Inferno”, ocorreu no estúdio Sons e Sentidos, na cidade de Catanduva. Aliás, trata-se de um excelente trabalho do produtor Gabriel Barberato, que soube captar o peso e o espírito da música. Já os demais, devido à natureza punk das composições, optamos por gravar no estúdio do baterista da banda Radiação X, em Barretos, pois nossa intenção era que as músicas saíssem cruas, demonstrando a natureza punk rock das mesmas.
RR – As músicas em geral parecem ser compostas para funcionar ao vivo. Este modelo é intencional?
Rogério Terron: Ao compor uma nova música, tentamos utilizar a perspectiva de quem está assistindo a banda, tentamos imaginar sua reação em relação às letras e à sonoridade. Isso faz com que nossos shows sejam intensos, perdemos quilos após cada apresentação (risos). No Século XXI, vivemos a cultura do “tudo ao mesmo tempo agora”, as informações chegam rápidas, as redes sociais e os aplicativos de mensagens substituíram as amizades presenciais, a Inteligência Artificial é uma realidade assustadora, similar aos livros e filmes de ficção científica que permearam praticamente todo o Século XX. A cultura, aquela mais popular, foi padronizada, as músicas que mais vendem no Brasil parecem enlatadas, plásticas e industrializadas, são rapidamente descartadas e, com a mesma velocidade, substituídas. Então, nesse sentido, as apresentações ao vivo se tornaram uma espécie de válvula de escape desse momento caótico. É nos shows que os amigos se encontram, que tomam cerveja juntos, que relembram os velhos tempos.
Zé Valadares: Certa vez, eu ouvi as expressões “banda de estúdio” e “banda de palco”. Claro que nós, como qualquer outra banda, precisamos do estúdio para gravações e outros trabalhos. Mas, costumo dizer que, se você quer realmente conhecer a Rua Babilônia, tem que vê-la em ação, no palco!
RR – Em todas as faixas há a pitada de humor, às vezes mais escrachado, às vezes mais ácido. Como se dão as composições, letras e músicas? Todos colaboram?
Rogério Terron: As ideias para as letras surgem da vivência e da realidade do povo brasileiro. O humor e a acidez presentes nas letras são intencionais, uma vez que incentiva a pessoa que esteja ouvindo a refletir sobre a realidade que o cerca. Geralmente, as composições surgem através de uma simples ideia e até, muitas vezes, de uma simples frase. Depois, com a letra pronta, basta começar o processo de criação da música. A música e a letra nascem cruas, é gravada basicamente com voz e violão. Em seguida, quando a banda começa a trabalhar tais músicas, ideias de arranjo e/ou adaptação surgem. Portanto, todos colaboram com o produto final.
RR – Na faixa “Rock, Cerveja e Nostalgia”, há citações para várias bandas, de estilos e épocas peculiares, como Mutantes, Garotos Podres, Paul, Clash, Kiss, Replicantes, Golpe de Estado e outros. Imagino que essa gama de tendências seja as influências dos músicos. Se sim, tem alguma outra linha que os caras curtem?
Rogério Terron: “Rock, Cerveja e Nostalgia” representa uma pequena parcela de músicas que fazem nossas madrugadas de som e churrasco, onde rola de tudo, desde blues até o thrash metal. Trata-se de uma homenagem aos que transformaram nossas vidas, seja para o bem, seja para o mal (risos). Esse é o tipo de som que pode rolar em qualquer reunião de amigos, pois todos vão se identificar, de alguma maneira, com alguma banda ou artista citado na música.
Zé Valadares: Algumas bandas citadas são influências para a Rua Babilônia. Outras nós apenas admiramos. Mas, como disse o Terron, “Rock, Cerveja e Nostalgia” é uma descrição dos nossos churrascos. A letra começa com os preparativos, quando a semana de trabalho termina; passa pela festa propriamente dita e termina com o retorno da rotina.
RR – “Velho Johnny” seria uma homenagem (ou uma leitura autobiográfica) a nós, rockers de meia-idade (risos)?
Rogério Terron: Velho Johnny é uma homenagem a todos nós, aos que viveram intensamente a noite, a todos aqueles que passaram madrugadas curtindo o bom e velho rock and roll com pouco dinheiro no bolso e muita vontade, sem a presença das redes sociais que nos distanciaram, enfim, é uma homenagem a todos aqueles que fizeram (e muitos ainda fazem) com que o rock mantivesse sua chama acesa. Mas, existe um choque de realidade na música, uma espécie de anacronismo, Johnny está fora de sua época, está em outro contexto. Sua vida noturna, na atualidade, perde o sentido, está vivendo em uma espécie de paradoxo. Enfim, todos, principalmente da “velha guarda”, temos um Johnny dentro de nós... e não sei se isso é bom ou ruim (risos).
Zé Valadares: Creio que “Velho Johnny” pode ser vista como essa homenagem que você falou. O personagem da letra lembra bem quem viveu a cena do rock and roll nas décadas de 1980 e 90. Depois disso, mudou muito, daí o anacronismo citado pelo Terron.
RR – Como está a constância de shows para a Rua Babilônia?
Rogério Terron: Existe uma enorme dificuldade para shows, haja visto que os estabelecimentos voltados para esse segmento são cada vez mais raros, sobretudo quando as bandas se propõem a fazer sons autorais. Mesmo assim, ainda existem alguns bares e pubs aqui no interior que abrem espaço. Aliás, vale ressaltar que muitas bandas estão fazendo o famoso “do it yourself” ou o “faça você mesmo”. Estão se organizando e criando seus próprios festivais. Isso é muito importante, pois faz com que a tradição seja mantida.
RR – Nos shows, imagino que devam rolar também versões de outros artistas. Se sim, pode citar algumas delas?
Zé Valadares: Sim. Aliás, é importante frisar que fazemos versões. Não temos a intenção de fazer o chamado cover, aquela execução que procura imitar cada detalhe da música original. Entre as versões, temos algumas de artistas mais famosos, como Raul Seixas, Camisa de Vênus, Rita Lee, Ramones, Titãs, etc. Por outro lado, gostamos de versionar artistas menos conhecidos do público, como Wander Wildner, Leno e Walter Franco.
Rogério Terron: Procuramos tocar o que gostamos, aquilo que fez parte da nossa educação musical. Quando vamos escolher uma música de algum artista ou banda para fazermos versão, sempre procuramos imaginar como será a receptividade de tal música, como o público vai assimilar e qual será sua reação. Também levamos em consideração o conceito da banda. Ora, não podemos tocar uma música com humor ácido do Camisa de Vênus e, em seguida, tocar uma música existencialista do Chico Buarque (lembrando que curtimos Chico e os grandes nomes da MBP... risos).
RR – Como sentem a aceitação das músicas próprias quando executadas nos shows?
Rogério Terron: As pessoas se identificam com nossas letras, se colocam nas situações apresentadas. Por isso, a boa aceitação.
Zé Valadares: Olha, considerando a dificuldade de fazer rock autoral hoje em dia, eu diria que a recepção é boa. Penso que as doses de humor e as situações descritas nas letras são fundamentais para essa boa recepção.
RR – Como vocês veem a produção de rock autoral em Catanduva e região?
Rogério Terron: Nossa região é muito rica em bandas autorais de diversos estilos. Especificamente em Catanduva, existe um grande número de bandas autorais, temos bandas que vão do thrash, passando pelo punk e pelo horror punk, até o bom e velho rock and roll. Os integrantes das bandas catanduvenses, em sua maioria, são parceiros, apoiam os eventos realizados na cidade, o que faz com que continuem nascendo outras bandas, formando, assim, uma nova geração.
RR – Há previsão para mais lançamentos e pensam um dia ter um disco prensado?
Rogério Terron: Sim, temos previsão de mais lançamentos, temos muitas músicas próprias que são tocadas em nossas apresentações e que ainda não foram gravadas. Já entramos em contato com alguns estúdios e, em breve, teremos novidades. Sobre o lançamento de uma mídia física, CD ou vinil, estamos discutindo. O lançamento em vinil é um sonho, porém, de altíssimo custo e sem praticamente nenhum retorno financeiro. O mundo é dos streamings. As pessoas, sobretudo as mais novas, não consomem mídia física. Aliás, sem cair no erro de generalizar, muitos sequer consomem produtos de uma mesma banda. Não conseguem ouvir um álbum na íntegra, é a geração do agora, dos vídeos e textos curtos, é a geração Tik Tok.
Zé Valadares: Concordo com tudo o que o Terron disse sobre a maneira de consumir música atualmente. Mas, meu sonho é lançar uma mídia física. Sou da geração do LP, K-7 e CD. Não me contento em ver as músicas somente nos streamings. Acho até o som inferior. É coisa de velho (risos). Agora, se um dia lançaremos mídia física, só o tempo dirá...
RR – Fique à vontade pra deixar quaisquer outras informações sobre a banda.
Rogério Terron: Essa vai para a galera que curte rock ou é um apoiador da cultura. Para manter viva a chama do bom e velho rock and roll, frequentem shows, consumam produtos das bandas, divulguem, sigam as páginas das bandas nas redes sociais, assistam aos vídeos disponibilizados no Youtube, se inscrevam nos canais, comentem postagens, enfim, ajudem a fazer a coisa acontecer! Um simples gesto de curtir algo e/ou elogiar é de enorme importância para as bandas antigas, para que surjam novas e para que o rock continue abalando as estruturas.
Zé Valadares: É isso! E gostaríamos de agradecer o espaço, que é muito importante para as bandas que estão procurando divulgar seus trabalhos. No mais, é rock na cabeça... até dar dor de cabeça!
Em muita música rock a simplicidade e a objetividade são sinônimos de diversão agradável garantida pra se ouvir. Aplica-se esse conceito totalmente ao Rua Babilônia. Afinal um dos objetivos pelo qual o rock foi inventado é pra isso: se divertir. Músicas que colam e divertem. As vezes temos um lema de que, quando a música lhe soa interessante, você quer ouvir mais de uma vez. Aqui o repeteco será constante.
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Excelente trabalho do jornalista, matéria de alta qualidade
ResponderExcluirParabéns pela reportagem!
ResponderExcluirSou fã da Rua Babilônia!
Rock raiz, inteligente e descomplicado...
Que venha o vinil...duplo!!!
Vida longa ao rock and roll!!!