Centro da Terra - recriando a aura psicodélica dos 70
O mundo da música, e especificamente, do rock and roll,
concebeu diversos movimentos nos últimos 50 anos. Na década de 1960
celebrava-se a liberdade e a poesia, quando tais elementos foram emoldurados pela
agressividade de um modelo sonoro embalado por guitarras cheias de distorção,
bateria com timbres cada vez mais concisos e marcações de baixo que fugiram do
esquema padrão do blues. Isso fez com que a psicodelia daquela geração gerasse
bandas que soavam ao mesmo tempo, ácidas e lisérgicas. Passados cinco décadas,
é cada vez maior o número de grupos que apostam nesse modelo, trazendo a nossos
ouvidos, em pleno século 21, essa deliciosa sonoridade vintage, que nos faz
vivenciar os sabores daquela época com um tempero da modernidade da produção
musical dos tempos atuais. É nesse grupo de bandas que se encaixa o trabalho do
Centro da Terra. Nascida em São José
do Rio Preto/SP, a banda tem trilhado sua carreira por produções cheias de
climas, psicodelia e referências poéticas aos mestres do passado.
Com cerca de seis anos de carreira, a banda tem em suas
fileiras os irmãos Fred Pala e Guilherme Pala, na guitarra/voz e bateria,
respectivamente e Zeca Mustang no baixo/backings. O Centro produziu dois trabalhos
fonográficos. A banda lançou em 2013 um disco com músicas autorais, gravadas ao
vivo no show "Tarde no Quintal", num modelo bem incomum de apresentar
seu material autoral. De cara é louvável o resultado da captação, que deixou
toda a sonoridade dos elementos por demais nítidos. "Ritual Elétrico"
abre o álbum com sua levada groove comandada pelo baixo, e faz sua trajetória
com uma aura a lá Mutantes, e mostra como características gerais do som banda,
um trabalho de guitarra embasado em efeitos de wah-wah, principalmente.
"Um Passado do Abismo" começa com a guitarra rasgando wah-wah a lá
Hendrix. O trabalho vocal (assim como nas outras músicas) lembra bem as vozes
que Leslie West fazia com o Mountain e em outros projetos que participou. O contraponto
da bateria é outro elemento que costura a viagem da música. Um dos melhores
destaques do disco tem um nome um pouco descolado, "Nada Seu ou Sei
Lá". A faixa se inicia num clima calmo, para poucos segundos depois
quebrar o andamento inicial e dar espaço para variações da bateria, entre idas
e vindas do riff principal. "Hey" é uma boa referência sonora a
trabalho de algumas antigas bandas nacionais de pré-rock progressivo como Casa
das Máquinas e o Terço. "Vejo o Sol" traz uma linha de guita hora
densa, hora balanceada e uma boa dose de dramaticidade na voz. Talvez a faixa
mais pesada (no sentido de rock denso) do disco. Já "9" despeja sua
batidas funkeadas e recheadas de efeitos. O disco fecha com "Godot",
outra pedrada visceral com vocais nervosos e despojados, que servem de recheio
para um desfile de viradas de bateria e distorção e solos carregados de efeitos.
É enfim uma trabalho inspirador, que parece ao mesmo
tempo homenagear o clímax psicodélico do que se produziu antes e mostrar que a
banda quer enraizar seu espaço no cenário rock brasileiro, armada com um som
próprio, orgânico, cheio de estilo e alma.
Anteriormente, a banda havia soltado o CD "Ritual
Elétrico Ao Vivo", produzido no estúdio Cia. do Som, com o auxílio do
produtor Fernando Marques. O trabalho contou apenas com versões de nomes
clássicos como Hendrix, Ten Years After, Mountain, além de recriações de trabalhos de gente do
Brasil como Gilberto Gil, Gal Costa e Jards Macalé, dentre outros. E conta
ainda com uma faixa autoral, criada ali mesmo no estúdio, a bluesística "Have
Mercy". Destaque para as matadoras versões de "Red House"
(Hendrix), "Cold Shot" (Stevie Ray Vaughan) e "Mal Secreto"
(Jards Macalé, um dos destaques do antológico disco "Gal a Todo
Vapor", de Gal Costa).
Em 2014 a banda participou do aclamado festival
"Psicodália", realizado anualmente em Rio Negrinho/SC, e sempre conta
em seu cast com nome famosos do rock clássico da cena nacional.
Entre os planos atuais da banda, consta um projeto de
crowfunding, que visa a produção de um novo álbum. Para falar desse e outros
assuntos, a Ready conversou Fred Pala, guitarrista e vocalista do promissor
grupo.
Ready to Rock - Em contato com
seus trabalhos gravados, me deparei com CD ao vivo (Ao Vivo Tarde no
Quintal") com composições de banda e outro de versões clássicas gravadas
em estúdio ("Ritual Elétrico Ao Vivo"). Por que essa inversão?
Fred Pala - O cd ritual elétrico foi um convite de fazer
uma jam em estudio como se fosse um show tocando algumas de nossas influências,
na época inclusive estávamos em transição de baixista portanto esse álbum conta
com o Vagner Siqueira baixista da Estação da Luz e o Zeca Mustang. Já o segundo foi gravado em um festival em
que nos mesmos organizamos e contém apenas musicas autorais o nome do disco é o
nome do festival.
RR - As versões gravadas no estúdio, com produçâo do Fernando Marques, estão
simplesmente fantásticas. Foi uma forma de homenagear suas influências?
FP - Exatamente tivemos um dia de gravação com um
take para cada música, foi um show com influências da banda e apenas uma musica
autoral, um blues que criamos na hora para passar o som.
RR - O disco gravado ao vivo ("Tarde no
Quintal"), tem uma qualidade sonora surpreendente. Vocês acertaram legal
na captação. Qual o segredo dessa ótima qualidade?
RR - Foi captado de maneira muito simples com mics medianos, porém contamos
com o pré de nossa mesa tascam 1978 e horas em cima da mixagem e masterização.
Legal lembrar que tivemos a ajuda do Eduardo Palla na produção.
RR - Suas músicas autorais tem um nível de composição excepcional. Faixas
como "Vejo o Sol" e "Nada Sei ou Seu Lá" (essa é minha
favorita do disco) celebram o clima psicodélico, emoldurado por uma massa
sonora visceral, coisa que os grandes mestre do rock ácido dos 60/70 faziam.
Como é o processo de composição da banda?
FP - De forma bem natural, entramos no
estúdio e ficamos horas em cima de ideias e improvisos. Os esboços trazidos são
trabalhados juntos. Normalmente eu dou o estimulo inicial com harmonias e trechos
de letras, o Guilherme sempre surge com sensacionais linhas de bateria e ideias
e o Zeca completa com um grande feeling no baixo e opiniões que definem
possíveis ideias divergentes entre eu e meu irmão.
RR - Ouvindo sua música sinto referência bem definidas de bandas como
Hendrix, Mountain, Grand Funk (do início de carreira) e Ten Years After. Mas
vejo diversos momentos que lembram o som brasileiro dos 70, como Som Nosso, o
Terço e pela atmosfera, Mutantes. Qual o peso da música nacional em suas
influências?
FP - Gigantesco diria, no início demoramos a dar valor ao nacional até
porque muito se fala sempre das mesmas bandas, Led Zeppelin, Pink Floyd, Stones
e tal... que também foram essenciais para nossa formação mas a descoberta do
rock n roll setentista nacional mostrou que o Brasil também possuía grandes
bandas de rock e isso nos trouxe um estimulo e um dever muito grande de cantar
na nossa língua.
RR - Sabemos da realidade da produção de
rock no Brasil e em Rio Preto. O rock clássico, voltado às raízes setentistas,
praticado pela banda tem espaço e interesse na cidade?
FP - Nós 3 vivemos da música e tem sido muito difícil essa batalha porque
todos os pubs querem que toquemos sempre as mesmas músicas manjadas, mas seria
injusto falar que a culpa é só dos donos de bar a geração que vemos nas noites
hoje não possuem cultura nenhuma de arte e música portanto querem ouvir sempre
as mesmas que a mídia mostra.
RR - Pegando carona ainda na pergunta
anterior, como você vê a realidade de uma banda autoral, domiciliada no
interior de São Paulo?
FP - Mesmo na capital de duas uma ou a banda começa a tocar muitas versões
de músicas conhecidas, o famoso "LADO A", ou terão que tirar seu
sustento de outra forma.Portanto temos vivido assim mas sem ultrapassar a linha
que consideramos o limite, afinal de contas fazemos para sobreviver mas
principalmente porque amamos a musica, se um dia precisarmos tocar o que não
gostamos eu mudaria de profissão.
O nosso som é de 70 para baixo, não
tocamos nada dos anos 80 e posteriores que tem sido o que o grande público mais
quer ouvir. Até porque achamos horrível os timbres dos anos 80, na nossa
opinião houve um retrocesso gigantesco no jeito como se deveria timbrar e
equalizar os equipamentos, os instrumentos deixaram de serem orgânicos e
passaram a ter o mesmo som em todas as bandas. A bateria e os sintetizadores
são os que mais incomodam.
RR - Como é tocar e levar a carreira da
banda com dois irmãos na formação?
FP - Momentos bons e momentos difíceis, temos um entrosamento muito bom
compondo e ao vivo, os improvisos parecem que foram ensaiados em muitos
momentos, mas pelas dificuldades financeiras as vezes nos “desabafamos” um com
o outro. Ainda bem que tem o Zeca que costuma ser o mediador em muitos momentos
de stress.
RR - A banda acaba de lançar um projeto de crowdfunding (financiamento
coletivo). Qual a expectativa e os planos para este processo?
FP - A expectativa é alcançarmos o valor de R$ 25.000, para lançarmos o
primeiro trabalho em estúdio da banda em CD, vinil e DVD, que, além de shows do
Centro, trará um documentário sobre a música independente no Brasil de hoje,
com a participação de muitos artistas de vários estados brasileiros. Estamos
nos dedicando ao máximo nessa empreita e precisamos muito do apoio de todos
vocês. Através desse link vocês poderão ajudar e escolher seus prêmios. www.catarse.me/centrodaterra
RR - O que podemos esperar de um novo
trabalho autoral da banda?
FP - O primeiro trabalho com grande qualidade onde os ouvintes verão as
músicas como nos as vemos. Apesar de termos gravado as bases juntos e ao vivo,
tivemos tempo para acrescentar toda a gama de ideias que apenas três músicos ao
vivo não podem passar. Imagine uma tela onde o artista plástico tem tempo para
acrescentar camadas sobre camadas de ideias.
RR - A banda esteve envolvida tempos
atrás com um espaço chamado "Centro de
Psicodelia Cultural Lar de Maravilha", para apresentações e eventos
relacionados à música e arte. Como está esse espaço?
FP -Tivemos
por um ano a chance de termos um espaço totalmente voltado à cultura da região,
realizamos muitos shows, exposições, cinema, jams... e inclusive tínhamos um
estúdio denominado "Estúdio das Aranhas", dividíamos ele com várias
aranhas, foi nesse estúdio que gravamos o nosso novo álbum. Moramos nesse
espaço durante esse período e a ideia era realmente mantê-lo por um ano e
produzir o máximo de material e eventos. Missão comprida.
RR - Quais os planos de médio e longo
prazo da banda, e até onde pode chegar o Centro no cenário nacional?
FP - A ideia é ir o mais longe possível e compor
o máximo de material que conseguirmos. Mantermos a força no caminho e acreditar
que sempre iremos melhorar.
RR - Fique à vontade pra deixar um
recado ao pessoal que acompanha nossas matérias.
FP - Galera o nosso som é a nossa vida e poder dividi-lo com vocês e ver que
gostam é o que nos estimula a continuar na caminhada.Obrigado a todos e
continuem ligados nesse espaço diferenciado que esta apoiando tantos artistas.
Outras informações sobre a banda:
www.facebook.com/centrodaterrapowertrio
www.catarse.me/centrodaterra
http://centro-da-terra.wix.com/centrodaterra#!home/mainPage
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